terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Por José Romero Araújo Cardoso*


AS CAUSAS DA FOME NA VISÃO DO 

CORDELISTA ANTÔNIO FRANCISCO


A desnutrição crônica é um drama que aflige milhares de pessoas em todo mundo, sobretudo na mais carente região do planeta, conhecida por terceiro mundo desde que o demógrafo francês Alfred Sauvy enfatizou classificação conforme o grau de desenvolvimento dos países, tomando como referência os estamentos da Assembléia Nacional Francesa pré-revolucionária.

A voz de um brasileiro que se tornou cidadão do mundo denunciou o flagelo da fome como produto da exploração do homem pelo homem. Josué Apolônio de Castro se notabilizou pela intransigência com que defendeu o acesso pleno de toda a população do globo a uma quota alimentar diária compatível à dignidade humana, exigindo a abolição dos contrastes que separam ricos e pobres. Pregou ainda, com entusiasmo, a adoção de um modelo sócio-econômico que privilegiasse o verdadeiro desenvolvimento humano sem agredir o meio ambiente.

A Coleção Queima-Bucha de Cordel nº 21 destaca uma preciosidade da cultura popular com profundos vínculos com a mesma essência que marcou a produção científica de Josué de Castro. Tem o título de A Casa que a Fome mora, de autoria do menestrel da Literatura de Cordel mossoroense de nome Antônio Francisco.

Buscando o rosto da fome, o autor envereda nas trilhas da exclusão, intuindo encontrar àquela que tantos estragos tem causado à vida dos marginalizados. Em aglomerados sub-normais tenta a todo custo identificar o verdadeiro e real sentido que enfatiza suas causas, não o percebendo em razão deste não estar vinculado à decisão daqueles que estão à margem dos benefícios do processo e construção social.

Os efeitos são identificados através de semblantes destroçados pelo doloroso drama que assola a humanidade, mas a casa onde a fome mora passa longe dos guetos, becos e vilas das favelas tristemente célebres como cenários de dor e desilusão.

Há de ressaltar que quando da publicação de Geografia a Fome, em 1946 e da Geopolítica da Fome, em 1951, havia maior parcela da população terceiromundista habitando a zona rural, ao contrário de hoje, quando países como o Brasil apresenta mais de 80% de seus habitantes no espaço urbano, o que personifica verdadeiro caos em que a desnutrição assume papel preponderante dentro dos problemas sociais verificados na conjuntura.

Antônio Francisco, com invulgar brilhantismo, primando por sua indisfarçável preocupação humanitária, esboça o pavor de quem enxerga com clarividência as distorções interclasses como os mais graves distúrbios sociais responsáveis pela fome e pela miséria que encarcera seres humanos com sonhos e anseios nos grilhões da exclusão fabricada perversamente a fim de garantir a manutenção do status quo, dos privilégios de uma minoria acintosamente beneficiada.

O cordelista, afinal, consegue identificar a casa onde a fome mora, caracterizada pela opulência e pela ganância, estruturada na injustiça e no descaso com os dramas dos semelhantes. A fome aparece como uma mulher divinamente bem vestida, bem nutrida, ao contrário do que imaginava, não era magricela e nem desdentada, mas muito formosa e cheia de vida, alimentada com os frutos perniciosos auferidos com a corrupção e com a falta de amor ao próximo.

Não é nas favelas onde a casa da fome se localiza, mas na high society, no circuito poderoso que abriga os donos do poder, de cujos pensamentos se voltam plenamente à manutenção da continuidade da exclusão como forma de garantir privilégios, dando ênfase a métodos escusos e desprovidos a fim de implementar tal tendência universal.

* José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor da UERN.


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