AS CAUSAS DA FOME
NA VISÃO DO
CORDELISTA ANTÔNIO
FRANCISCO
A desnutrição crônica é um drama que
aflige milhares de pessoas em todo mundo, sobretudo na mais carente região do
planeta, conhecida por terceiro mundo desde que o demógrafo francês Alfred
Sauvy enfatizou classificação conforme o grau de desenvolvimento dos países,
tomando como referência os estamentos da Assembléia Nacional Francesa
pré-revolucionária.
A voz de um brasileiro que se tornou
cidadão do mundo denunciou o flagelo da fome como produto da exploração do
homem pelo homem. Josué Apolônio de Castro se notabilizou pela intransigência
com que defendeu o acesso pleno de toda a população do globo a uma quota
alimentar diária compatível à dignidade humana, exigindo a abolição dos
contrastes que separam ricos e pobres. Pregou ainda, com entusiasmo, a adoção
de um modelo sócio-econômico que privilegiasse o verdadeiro desenvolvimento
humano sem agredir o meio ambiente.
A Coleção Queima-Bucha de Cordel nº 21
destaca uma preciosidade da cultura popular com profundos vínculos com a mesma
essência que marcou a produção científica de Josué de Castro. Tem o título de A
Casa que a Fome mora, de autoria do menestrel da Literatura de Cordel
mossoroense de nome Antônio Francisco.
Buscando o rosto da fome, o autor
envereda nas trilhas da exclusão, intuindo encontrar àquela que tantos estragos
tem causado à vida dos marginalizados. Em aglomerados sub-normais tenta a todo
custo identificar o verdadeiro e real sentido que enfatiza suas causas, não o
percebendo em razão deste não estar vinculado à decisão daqueles que estão à
margem dos benefícios do processo e construção social.
Os efeitos são identificados através de
semblantes destroçados pelo doloroso drama que assola a humanidade, mas a casa
onde a fome mora passa longe dos guetos, becos e vilas das favelas tristemente
célebres como cenários de dor e desilusão.
Há de ressaltar que quando da
publicação de Geografia a Fome, em 1946 e da Geopolítica da Fome, em 1951,
havia maior parcela da população terceiromundista habitando a zona rural, ao
contrário de hoje, quando países como o Brasil apresenta mais de 80% de seus
habitantes no espaço urbano, o que personifica verdadeiro caos em que a
desnutrição assume papel preponderante dentro dos problemas sociais verificados
na conjuntura.
Antônio Francisco, com invulgar brilhantismo,
primando por sua indisfarçável preocupação humanitária, esboça o pavor de quem
enxerga com clarividência as distorções interclasses como os mais graves
distúrbios sociais responsáveis pela fome e pela miséria que encarcera seres
humanos com sonhos e anseios nos grilhões da exclusão fabricada perversamente a
fim de garantir a manutenção do status quo, dos privilégios de uma minoria
acintosamente beneficiada.
O cordelista, afinal, consegue
identificar a casa onde a fome mora, caracterizada pela opulência e pela
ganância, estruturada na injustiça e no descaso com os dramas dos semelhantes.
A fome aparece como uma mulher divinamente bem vestida, bem nutrida, ao
contrário do que imaginava, não era magricela e nem desdentada, mas muito
formosa e cheia de vida, alimentada com os frutos perniciosos auferidos com a
corrupção e com a falta de amor ao próximo.
Não é nas favelas onde a casa da fome
se localiza, mas na high society, no circuito poderoso que abriga os donos do
poder, de cujos pensamentos se voltam plenamente à manutenção da continuidade
da exclusão como forma de garantir privilégios, dando ênfase a métodos escusos
e desprovidos a fim de implementar tal tendência universal.
* José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo.
Professor da UERN.
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