É PRECISO UM COMPROMISSO
O Brasil
foi metido num dos maiores “imbróglios” da sua história. A situação é
confusa. Cada sacerdote das várias seitas que se abrigam sob a generosa
proteção da modesta disciplina que chamamos de economia tem sua própria
solução para resolvê-la. Pior! Quanto mais ele se acredita portador de
uma “ciência”, mais superficial, genérica e duvidosa a sua recomendação.
Todas as “teorias” invocadas costumam ignorar os vínculos reais e
intransponíveis que as consequências da política econômica
“independente” de alguns países produzem sobre os outros.
Quem já esqueceu as mistificações do
“Consenso de Washington” e a exaltação das virtudes da plena liberdade
do movimento de capitais que tanto mal produziram antes de serem
desmoralizados? O mesmo ocorre hoje com a plena liberdade de comércio
internacional sugerida pela “teoria das vantagens comparativas”. Uma
ideia brilhante para o aumento da produtividade do mundo e inspiradora
da paz universal. Suas recomendações, entretanto, têm de ser
relativizadas. Apesar de poder gerar um aumento da produtividade
mundial, tende a distribuí-lo muito injustamente entre “ganhadores” e
“perdedores”, principalmente quando não se pode garantir o pleno emprego
implícito na teoria.
Há muito tempo se demonstrou que nenhum país pode, sem colher dificuldades, ter simultaneamente: 1. Uma política monetária independente. 2. Um regime de câmbio
realmente flexível. 3. Plena liberdade de movimento de capitais. Essa
restrição vale para todos os países, inclusive os EUA, a Alemanha e o
Brasil, com implicações monetárias internacionais que precisam ser
avaliadas em seus resultados concretos.
Tem, cada um deles, a mesma capacidade de determinar – com
sua política econômica interna – o melhor uso dos seus recursos na
produção dos seus bens e serviços e a forma mais harmônica de
distribuí-los entre aqueles que os produziram? Nas relações monetárias
internacionais há, de fato, simetria nas consequências desse mecanismo?
Quando Janet Yellen, do Fed, ameaça aumentar o juro dos EUA que valoriza o real, será que ela se preocupa em saber como o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, vai se defender? É pouco provável!
Esse caráter essencialmente
assimétrico das relações econômicas internacionais é conhecido. Sempre
produziu resultados abusivos em favor da maior potência econômica do
momento, aquela com a maior autonomia energética, alimentar e militar e
que conquistou posição de relevo e deu suporte institucional para que o
mundo creditasse à sua moeda o papel de reserva universal.
No nível do conhecimento teórico e
empírico a que chegamos, não pode haver dúvida. Num mundo tão desigual
entre países, com tantas tensões dentro deles e o empoderamento
continuado da sociedade pelo sufrágio universal, nenhum país poderá
dispor da independência da sua política monetária! Isso significa que a
liberdade de movimento de capitais deve merecer todo cuidado e atenção,
principalmente na formulação da política fiscal de longo prazo.
Lembremos que crescimento econômico com
inclusão social é identicamente igual ao aumento da produtividade do
trabalho somada a inteligentes políticas governamentais de estímulo à
igualdade de oportunidades. Ele não será resultado da miopia de
acreditar que o resto do mundo, e a China
em particular, são “economias de mercado” absolutamente competitivas,
onde reina a obediência ao custo marginal, enquanto no Brasil
monopolistas-rentistas se apropriam do governo e dos excedentes. A
primeira proposição é obviamente falsa. Para a segunda, não é difícil
encontrar sinais de verdade...
A política econômica de todas as nações é
determinada pelo que se espera que ela produzirá em resposta à relação
de força entre “ganhadores” e “perdedores”, combinada com os interesses
dos que, politicamente, podem pô-la em prática dentro das restrições
institucionais que estabelecem a “regra do jogo”. Frequentemente, o que
se chama de “interesse nacional” não passa dos “interesses” dos grupos,
filtrados pelos “interesses” dos políticos preocupados em maximizar e
manter o seu poder. É tempo de perder a inocência! É tempo de construir
um compromisso porque mesmo uma “ciência econômica”, se existisse, não
teria solução para o complexo problema social que nos aflige.
Fonte: CartaCapital
Por Delfim Netto
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