segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A LIQUIDEZ DA VIOLÊNCIA NA

 SOCIEDADE MOSSOROENSE


A atualidade é conceituada por Zygmunt Bauman como “modernidade líquida”, pela incapacidade de manter a forma, as relações, instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar. Partindo desse conceito e observando essa liquidez no submundo das conseqüências advindas do tráfico e uso de entorpecentes, se observa que vem surgindo uma geração acostumada com a matança indiscriminada, com o acerto de contas, com a violência gratuita, que banalizam a vida à medida que mudam as circunstancias, à medida que mudam os interesses, à medida que as referencias em uma sociedade não encontram forma.

Trazendo ao leitor algumas vivências do cotidiano como operador de segurança pública e pesquisador das conseqüências do uso de drogas entre jovens, um fato me chamou atenção, levando-me à reflexão posterior, naquele dia. Eram 02h40min da manhã, minha equipe (Eu e outro Policial) tínhamos entrado no plantão às 19h.

Já havíamos atendido inúmeros chamados da população mossoroense com os mais diversificados problemas possíveis, desde brigas entre vizinhos, roubos de celular, vizinhos com som alto, pessoas com medo a ponto de ligar para o 190 e pedir que a polícia passe em frente a sua casa e toque a sirene, violência doméstica, entre tantos outros conflitos que tivemos que intervir e mediar.

Mas o que nos chamou atenção naquela madrugada foi o chamado das 02h40min, fomos acionados para verificar possíveis disparos de arma de fogo em um bairro periférico de Mossoró; uns três a quatro minutos depois chegamos ao local, o relógio do painel da viatura que eu dirigia marcava 02h43min da manhã.

Algumas pessoas se aglomeravam em frente a casa onde ocorrera os disparos, adentramos ao local e logo constatamos uma jovem que aparentava ter seus 19 a 20 anos, em estado de choque. Dizia apenas que três homens tinham invadido sua casa, arrombado a porta do quarto onde ela dormia com seu marido e duas crianças  e disparado contra seu marido, apontando para onde estava seu marido.

Ao nos dirigirmos para o local apontado,  encontramos na porta do quarto onde o casal dormia muitas cápsulas de munição e manchas de sangue dentro do quarto, em que estava o marido dela caído por trás de um armário com vários tiros na cabeça e tórax. Havia muito sangue no chão, a massa encefálica estava exposta.

Até aí para mim, tudo parecia normal comparando-se a  tantos outras ocorrências do tipo já atendidas, porém ao concluir a varredura visual no quarto  percebi que tinha uma criança, aparentando ter entre 2 e 3 anos de idade trajando apenas uma cueca naquela madrugada fria. Olhou para mim e disse: “meu pai tá dormindo no chão, tem sangue nele”.

Olhei para o mesmo e travei, pois já se observava ali que o pai dele estava sem vida. Como dizer a ele que seu pai estava morto?  A criança assistindo toda aquela cena, sem entender bem o que acontecia. Mal sabia que aquele momento era o ultimo com seu pai.

Rapidamente com cuidado para não alterar a cena do crime, e utilizando recursos lúdicos e a experiência de pai, retirei a criança daquele local, conversei um pouco com ele o acalmando, isolamos a cena do crime e a criança foi entregue a parentes que estavam fora da casa.

Analiso essa situação baseado no filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, quando defende que o ser humano atual é um produto do que acontece na modernidade líquida. Nos seus escritos, ele aborda o indivíduo como alguém que integra uma sociedade e responde à ela, modelando-se aos seus ditames.

Essa criança e tantas outras que vivenciam inúmeras cenas de violência no seu dia-a-dia não têm como responder diferente, pois integram essa sociedade líquida, sem forma descrita por Baunan.

Quando foi identificado, se verificou que a vítima do homicídio era envolvida com drogas. Ex-presidiário, tinha 20 anos.

Fonte: Blog do Carlos Santos
Por Ibraim Vilar Moisinho*

*Ibraim Vilar Moisinho é Policial Militar, bacharel em Administração e Especialista em Segurança Pública e Cidadania – SENASP/UERN
 

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