A LIQUIDEZ DA VIOLÊNCIA NA
SOCIEDADE MOSSOROENSE
A atualidade é conceituada por Zygmunt
Bauman como “modernidade líquida”, pela incapacidade de manter a forma,
as relações, instituições, quadros de referência, estilos de vida,
crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar.
Partindo desse conceito e observando essa liquidez no submundo das
conseqüências advindas do tráfico e uso de entorpecentes, se observa que
vem surgindo uma geração acostumada com a matança indiscriminada, com o
acerto de contas, com a violência gratuita, que banalizam a vida à
medida que mudam as circunstancias, à medida que mudam os interesses, à
medida que as referencias em uma sociedade não encontram forma.
Trazendo ao leitor algumas vivências do
cotidiano como operador de segurança pública e pesquisador das
conseqüências do uso de drogas entre jovens, um fato me chamou atenção,
levando-me à reflexão posterior, naquele dia. Eram 02h40min da manhã,
minha equipe (Eu e outro Policial) tínhamos entrado no plantão às 19h.
Já
havíamos atendido inúmeros chamados da população mossoroense com os
mais diversificados problemas possíveis, desde brigas entre vizinhos,
roubos de celular, vizinhos com som alto, pessoas com medo a ponto de
ligar para o 190 e pedir que a polícia passe em frente a sua casa e
toque a sirene, violência doméstica, entre tantos outros conflitos que
tivemos que intervir e mediar.
Mas o que nos chamou atenção naquela
madrugada foi o chamado das 02h40min, fomos acionados para verificar
possíveis disparos de arma de fogo em um bairro periférico de Mossoró;
uns três a quatro minutos depois chegamos ao local, o relógio do painel
da viatura que eu dirigia marcava 02h43min da manhã.
Algumas pessoas se aglomeravam em frente
a casa onde ocorrera os disparos, adentramos ao local e logo
constatamos uma jovem que aparentava ter seus 19 a 20 anos, em estado de
choque. Dizia apenas que três homens tinham invadido sua casa,
arrombado a porta do quarto onde ela dormia com seu marido e duas
crianças e disparado contra seu marido, apontando para onde estava seu
marido.
Ao nos dirigirmos para o local
apontado, encontramos na porta do quarto onde o casal dormia muitas
cápsulas de munição e manchas de sangue dentro do quarto, em que estava o
marido dela caído por trás de um armário com vários tiros na cabeça e
tórax. Havia muito sangue no chão, a massa encefálica estava exposta.
Até aí para mim, tudo parecia normal
comparando-se a tantos outras ocorrências do tipo já atendidas, porém
ao concluir a varredura visual no quarto percebi que tinha uma criança,
aparentando ter entre 2 e 3 anos de idade trajando apenas uma cueca
naquela madrugada fria. Olhou para mim e disse: “meu pai tá dormindo no
chão, tem sangue nele”.
Olhei para o mesmo e travei, pois já se
observava ali que o pai dele estava sem vida. Como dizer a ele que seu
pai estava morto? A criança assistindo toda aquela cena, sem entender
bem o que acontecia. Mal sabia que aquele momento era o ultimo com seu
pai.
Rapidamente com cuidado para não alterar
a cena do crime, e utilizando recursos lúdicos e a experiência de pai,
retirei a criança daquele local, conversei um pouco com ele o acalmando,
isolamos a cena do crime e a criança foi entregue a parentes que
estavam fora da casa.
Analiso essa situação baseado no
filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, quando defende que o ser
humano atual é um produto do que acontece na modernidade líquida. Nos
seus escritos, ele aborda o indivíduo como alguém que integra uma
sociedade e responde à ela, modelando-se aos seus ditames.
Essa criança e tantas outras que
vivenciam inúmeras cenas de violência no seu dia-a-dia não têm como
responder diferente, pois integram essa sociedade líquida, sem forma
descrita por Baunan.
Quando foi identificado, se verificou que a vítima do homicídio era envolvida com drogas. Ex-presidiário, tinha 20 anos.
Fonte: Blog do Carlos Santos
Por Ibraim Vilar Moisinho*
*Ibraim Vilar Moisinho é Policial Militar, bacharel em Administração e Especialista em Segurança Pública e Cidadania – SENASP/UERN
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